...extenuado,
deprimido, afoito, ansioso, mas lá estava ele: chegou a uma grande bifurcação
em sua vida. Não imaginava que se veria em tal situação, afinal sempre se
comportou como quem viveria a sua vida tranquila, com os percalços normais de
uma vida regular de uma pessoa normal. Mas conheceu outros caminhos, vários
caminhos. Os percalços surgiram e ele resolveu experimentar diferentes vidas,
diversões, depressões, decepções, encantamentos. Tornara-se mais tolerante e
isso o ajudou a se relacionar. Ao menos era o que pensava.
Mas a
estrada havia sido percorrida agora, não havia mais como voltar atrás, e o
caminho à sua frente se abrira em duas direções. Ambas se mostravam belíssimas no
horizonte, mas a frente das montanhas atingidas pelo sol
não mostra os perigos de seus interiores, e ele conhecia muito melhor uma
dessas vidas do que a outra. O caminho já estava escolhido, mas somente isso não bastava;
ele precisa finalmente enfrentar o demônio que surge à sua frente. Tinha plena
consciência que ele apareceria, mas sua figura é muito mais arrebatadora do que
previa e exercia sobre ele um peso que ele já não mais podia suportar.
Evidentemente,
pensou em esquecer tudo aquilo, voltar e nunca mais olhar para tais passagens;
preferia não enfrentar aquele enorme demônio a desfrutar de qualquer uma
daquelas belezas. Deu meia-volta e caminhou por alguns metros, e lá estava o
demônio à sua frente. Era óbvio, porque ele iria embora tão facilmente? Ainda
mais para ele, que não conseguia esquecer nada importante em sua vida.
- Aonde vai, meu jovem? – perguntou o demônio.
- Embora, e tentar esquecer tudo isso.
- Venho te acompanhando ao longo
dessa sua jornada; não somente essa, mas todas. Não é mais hora de esquecer;
você está sempre voltando pra recomeçar. A estrada agora só tem como continuar,
eu não permito mais que volte.
O demônio assumira um tom
paternal, que tanto lhe faltou durante a vida; uma ou outra lição era tudo o
que tinha aprendido de seu próprio pai. Criou-se em meio aos gatos e pela mãe,
a mulher mais carinhosa e adorável que conheceu, e tios. Percebia agora que
isso o tornara frouxo, apesar de ter convicções. Ele olhou fixo nos olhos desse
pai que aparecia à sua frente e percebeu que devia voltar seus olhos para a
bifurcação. Mas ela desapareceu! Agora havia um só caminho, o da montanha que
lhe era familiar, que ama, a montanha em que se enxergava pelo resto da vida.
- Mas...de onde surgiram essa
neblina, essas pedras? – perguntou ao pai.
- Você as criou, a partir do
momento que resolveu explodir coisas; aí
estão são os resquícios dessas suas explosões.
Silêncio. Aceitação. Raiva de si
mesmo pelos seus atos. Resignação. Arrependimento. Choro desesperado. Tudo num
só instante, tudo fruto de sua própria culpa.
- Posso voltar para ela? –
perguntou enquanto olhava fixamente para o topo, que era ainda mais belo. Uma
mão fraterna, mas pesada, pousou em seus ombros e o demônio entonou firmemente
a voz às suas costas:
- Não sei se vai conseguir, mas
você D-E-V-E tentar percorrer este caminho. Não espere que será fácil, porque
não será. Tenho a impressão de que aquela montanha ainda irá acolhê-lo, mas
você precisa ser o homem que não foi até hoje. Ou pelo menos o homem que eu
conheci um dia. Você terá de encontrá-lo neste caminho. Há pessoas que poderão
ajudá-lo durante o percurso, mas terá de querer.
Ele baixou a cabeça, viu sob seus
pés que a estrada não mais era composta de um asfalto rachado, esburacado, mas
de vidro: a cada passo, um corte em seu corpo. E justo em suas principais falhas.
Era necessário; nunca mais esquecerá das dores que irá sofrer pelo que há de
falho em seu corpo, nunca mais irá permitir que elas voltem. Ergueu a cabeça,
uma brisa atinge seu rosto enquanto ele olha fixamente para a montanha.
- Sim, eu quero!
Princípios, prioridades,
primeiros passos, aprimorar-se, primavera. O inverno caminhava e era hora de iniciar
a jornada. E ele partiu...