segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Claire de Lune

O celular toca. É ela, me pedindo para olhar a lua desta noite. “Está linda!”, li, enquanto tentava procurá-la sobre minha cabeça em meio ao centro da cidade. Tive que prever com certa antecedência o tempo em que poderia olhar para cima, de modo a não trombar com ninguém enquanto andava. Tarefa difícil, se tratando daquele mar de gente. E a lua não estava lá.

Adentro o subterrâneo do metrô. Nos fones, Beethoven e sua sonata dedicada ao luar; na mente, a imagem da lua, que ela me falara com tanto entusiasmo. Tínhamos visto-a poucas horas atrás, quando invertemos os papéis: eu voltei os olhos aos céus e apontei em direção a ela; “Veja, que linda!”. Será que está do mesmo jeito ou ficou ainda mais bela? Ou será que o olhar entorpecido pela magia de nosso encontro fez com que ela a visse mais bonita? As estações passam, a sonata chega ao seu terceiro (e mais espetacular) movimento, e ainda estou preso ao subterrâneo, com o sonho de ter todo o céu a meu dispor, e a lua... Ah, ela seria toda minha!

No caminho entre a estação e minha casa, nada dela. (“Por que ela é capaz de vê-la e eu não? Há algo errado comigo ou com as casas e coisas ao meu redor?”). Chopin embala meu trajeto com seu segundo noturno, em passos flutuantes. O corpo está arrepiado, apesar de sentir calor; o calor que nos move ao desconhecido, ao salto de fé, a conceder uma chance ao novo, se arriscar no inabitável. O céu está limpo, o vento bate em meu rosto e as notas do piano formam um mosaico do rosto dela em minha alucinação. (“Por que não aparece, lua?”). Pego o telefone.

- Não vejo a lua!

- Que pena. Ela está minguante, tal como a vimos mais cedo. Mas está amarelada, com um brilho intenso ao seu redor; um sorriso dourado!

Era a imagem perfeita para aquele fim de noite. Vagueio pelas janelas de minha casa em busca dela; não podia suportar a ideia de que o mundo era capaz de vê-la e eu estar renegado a somente ouvir dizer sobre seu formato, com o que se assemelha,  porque muda o tempo todo e, principalmente, como nos sentimos a respeito de tamanha instabilidade.

Não a encontrava. 

Restava-me, então, a resignação de algo que parecia destinado aos outros; só poderia conhecê-la através das fotos, imagens e canções dedicatórias. Debussy, com sua Claire de Lune, embala minha melancolia. Até o momento em que a gata negra sobe na janela, mia em minha direção e eu atendo seu chamado. À sua direita, um clarão dourado atrás das casas. Recosto-me na janela e percebo, de soslaio, a presença da gata sentando-se ao meu lado. E surgem os violinos, que glorificam minha visão: a lua está ali, atrás daquelas pequenas construções. Não vejo seu formato, não sei se é como me foi dito; eu poderia vê-la diferente – poderia ser igualmente bela, no entanto. Mas o brilho que irradia, o modo como me aquece e a paz que me traz são as únicas coisas que realmente importam neste momento.

3 comentários:

  1. Parte do que se projetava no céu já era presente no observador que só precisou do instante em que as circunstâncias cartesianas se formaram para que a poesia se desse... Parabéns...

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  2. Sou arrebatada para as florestas de Debussy e ouço em minha alma o fascinio de Claire de Lune me chamando de volta para todos os sonhos, amores que vivi e ao ler sua cronica, volto para lá outra vez. Sei que essas imagens estarão para sempre lá no painel multicores de minha alma...Muito bonita, queridolParabéns!!!

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  3. Bela noite de luar, Raulzito! Parabéns e até mais...

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