terça-feira, 16 de agosto de 2011

Foto

Estava diante da mais bela imagem, jamais captada antes. Seria a lente de uma câmera capaz de fotografar o sentimento por trás daquele rosto? Seria capaz de captar o calor e o ofegar daquele corpo timidamente retraído embaixo do lençol? Dizem que a grande fotografia de pessoas é a que transpõe ao observador o sentimento da pessoa fotografada. Parece evidente que a totalidade das emoções não pode ser retratada, ainda mais estas sendo tão conectadas ao contexto; quanto mais próximo for, entretanto, melhor a foto, e mais tocados seremos.

Aquela imagem não fora captada por nenhuma outra lente senão a ideal: os olhos. Olhos que são parte daquela grande máquina repleta de sentimentos e interações, que distorcem a imagem que é vista. Isso não é, de modo algum, uma coisa ruim: e se tudo o que queremos e precisamos são estas distorções? O céu se torna mais azul que o normal, o brilho do olhar é mais intenso, o sorrir da criança é ainda mais puro, a piada é mais engraçada, o respirar nos torna mais vivos, o banho de chuva sublima corpo e alma, o acariciar um animal nos integra à natureza, a música arrepia o corpo... Que o mundo se distorça!

A máquina fixa sua lente no rosto, que reage aos olhares. A máquina fecha os olhos e mentaliza a imagem que acabara de captar; aquela era a que seria guardada pelo resto da vida. Bastaria um fechar de olhos, um segundo de pensamento e lá está ela, perfeita em dimensão, contexto, cenário, luz e sentimento. A espinha que salta à testa está ali somente para dizer à máquina: “sim, ela é real. Guarde-a!”. A máquina sorri e a imagem retribui com um olhar brilhante, mas de dúvida. Ela então ouve:

- Sabe, o que estou vendo agora é melhor que qualquer foto que poderiam tirar de você.

         - E por que não tirou uma?

A máquina deixou de sê-la. Refletiu sobre a pergunta.

- Uma foto não entenderia o que vi.

E nem as palavras. Falar do calor que a aqueceu de repente, dos olhos que lacrimejaram e da boca que sorriu é tratar do que aquela ex-máquina sentiu em seus sintomas, não em essência. Ela viu, sentiu, captou e guardou. E, infelizmente para nós, somente ela é capaz de ver e sentir novamente, num simples cerrar de olhos.

2 comentários:

  1. "Uma foto não entenderia o que vi..." Nada mais emblemático, mais doce, mais intenso... Um grito à proximidade e ao sentimentalismo...

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  2. O que há por trás desses olhos faz do ser humano a máquina mais poderosa.

    Belo texto.

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