segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Uma dinâmica e duas Rebecas

Pablo acordou cedo, vestiu sua melhor roupa, encarou frio e trânsito rumo a uma entrevista de emprego. Nunca teve muita paciência, nem concorda com as tais dinâmicas; mas bem, é assim que contratam hoje em dia, e ele não pode fazer muito além de se submeter.

Atravessa a cidade esmagado no transporte público, mas de bom humor. Afinal, havia boa música em seus fones de ouvido e ele estava otimista em relação ao trabalho: era simples, temporário, ficava perto de onde era realmente importante estar. Bastava para ele dispender de 6 horas diárias, seis vezes por semana. Parecia um bom negócio.

Entra na empresa e é recebido com um sorriso pela selecionadora, chamada Rebeca. Lembrou-se da época que fez teatro e da Rebeca que quase arrancou sua virgindade. Ela atirava-se e ele, extremamente tímido e ingênuo, não entendia suas indiretas. Até que um dia ela o agarrou e o levou para o camarim, sentou-se na mesa, abaixou a calcinha e ergueu a saia; Pablo concentrou-se demais nos beijos e, com isso, logo ouviu vozes que se aproximavam. Ele estava atordoado, de pernas trêmulas, mas achou ter encenado bem um disfarce. Os sorrisos maliciosos que lhe eram dirigidos, porém, logo o demoveram da ideia. Esperava o primeiro e único amor, e o que Rebeca tentava fazer com ele lhe parecia imoral, sem sentido. Nunca mais se encontraram.

De qualquer forma, lá estava outra Rebeca, baixinha e ruiva, tal como a outra. Pablo retirou a folha de cadastro e agradeceu com um sorriso, que lhe foi retribuído. Ele riu do seu eu adolescente, como muitos fazemos quando pensamos no puritanismo que tínhamos em nossa essência (muitas vezes um riso melancólico). Será que aquela Rebeca iria querê-lo, agora que já era outro?

A folha de cadastro vinha com um pequeno teste anexo; “uma ode à ignorância”, ele pensou. Preencheu rapidamente e aguardou os outros candidatos terminarem. Temia que a demora o impacientasse e ele expusesse maus hábitos, como tremer a perna e roer a unha. A imagem numa dinâmica deve ser impecável; inclusive nossos defeitos devem ser, de alguma forma, úteis ao trabalho. Muita gente se atrasou, e ele se perguntou se Rebeca gravaria aqueles rostos e descontaria pontos. Parecia ser o mais justo a se fazer, mas nada indicava que o seria. Bravejava e estava ansioso, mas tinha que esperar.

Todos terminaram e a selecionadora demandou mais alguns minutos, para corrigir todos os testes. Pablo olhava em volta, e se achava em perfeitas condições de competir e ganhar de todos que ali estavam, não porque os desmerecia, mas porque estava, acima de tudo, confiante.

Rebeca enfim terminou, e resolveu falar sobre a “oportunidade”. Ele achou estranho ela não falar emprego, vaga, trabalho, etc. Se ela qualificava assim o trabalho, ou estava supervalorizando-o, ou realmente era algo excepcional. Pablo já conhecia o mercado, e sabia que logo viria um problema. Ela falava da empresa – uma tal de BRT -, que estava no mercado há 10 anos e era uma das maiores e mais generosas, com auxílios excepcionais, grande oportunidade de crescimento a partir de 4 meses de trabalho e coisas que ele já não mais se importava; Pablo entendeu que todos ali seriam explorados. Quando ela falou do desconto do vale-transporte e disse que era de “6% sobre o salário que vou falar daqui a pouco” e tratou de voltar a elogiar a empresa, ele já se achou numa perda de tempo. Mas não seria grosseiro enquanto não ouvisse o valor.
    
       -   O salário que oferecemos para o cargo é de três-dois-cinco -, ela disse.


       Pablo percebeu: ela sabia que era uma exploração. Dizer os números um a um e não juntá-los num único número cardinal era um interessante estratagema para não mostrar quão baixo era o salário. Uma moça prontamente se levantou e disse:
    
       -   Desculpe, mas esse valor não me interessa.
    
       -   Bem, então você e quem mais pensar a mesma coisa pode sair -, respondeu Rebeca.

Cerca de oito pessoas levantaram, e o processo seguiu, com os que sobraram disputando ferozmente aquela vaga que, se para outros não era nada, para eles talvez fosse tudo. Uma apresentação em público, uma separação em dois grupos, onde um tentaria ganhar do outro numa argumentação, um vídeo corporativo que mostrava a grandeza da empresa e o quão grande os candidatos podiam ser se permanecessem fiéis àqueles que estão dando aquela oportunidade. Em seguida, uma pausa para um lanche, uma ida ao banheiro e um merecido descanso para Rebeca. Ao fim do dia, alguns daqueles estariam sorrindo por terem conseguido agarrar aquela oportunidade. Mas não Pablo: ele não queria ser novamente abusado por uma Rebeca e estava dentro do grupo dos oito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário