sexta-feira, 22 de julho de 2011

Idiossincrasia

- Cara, tudo o que eu queria era poder estar com ela, nem que seja uma única vez. – dizia o jovem ao seu amigo de balcão. Não sabia seu nome, e isso o fez confiar nele ainda mais.  A bartender, incrédula, olhava para aquele homem despenteado, de gravata e botões da camisa soltos. Era nova ali e presenciava a cena pela primeira vez, consolando-se com a imaginação de que a rotina lhe mostraria o quanto isso era comum.

- Porra, que seja uma única vez mesmo! - brandiu o homem com um copo de Whisky na mão. – Faça o que tiver de ser feito nessa única vez, e terá a melhor lembrança de sua vida. Mantenha contato e a beleza da experiência irá pro inferno junto com o monte de desentendimentos  – dizia, mostrando o anelar esquerdo marcado em branco pela aliança recém-arrancada.

O casal sentado à mesa ouvia tudo muito atentamente. Estavam separados há um tempo e resolveram tentar uma reconciliação naquela noite; ambos sabiam da inocuidade daquilo, mas estavam acostumados um ao outro. Saíram pelo mundo e perceberam o quanto era trabalhoso cativar um coração novo com sentimentos que envelheceram. Também era difícil serem cativados; haviam se enrijecido demais para permitir que alguém entrasse em suas vidas facilmente. Olharam-se em tom de questionamento: “que lembranças guardamos?”

A garçonete chegou junto à mesa e, reconhecendo-os:

- Que surpresa boa! Há quanto tempo não vinham aqui? Até comentávamos de vocês às vezes, imaginando o que teria acontecido. Enfim, é ótimo saber que ainda gostam deste lugar. Vão querer o de sempre?

Ele balançou a cabeça em tom afirmativo enquanto ela olhava-o, de modo austero. Nesse meio tempo, o jovem e o recém-divorciado desentenderam-se: o primeiro idealizava o amor inextinguível de uma noite e o segundo o retorquia, bradando que a noite do amor ideal, uma vez conquistada, era o ápice da relação. Tudo o que dali se seguia era comodismo e uma patética tentativa de repetir o que já aconteceu...

- E isso é impossível, meu caro. Esteja com ela até o ápice e depois vá embora!

Todo o local foi tomado pelo silêncio. A mão que segurava o copo de vinho parou no ar, foi à boca da mulher que estava à mesa e, ainda no ar, refletiu aos homens no balcão a face feminina que disse:

- Já atingimos nosso ápice uma vez. Adeus.

Levantou e foi embora. O homem olhou-a sair pela porta e viu, pela vidraça, atravessar a avenida em tranqüilos passos. Acenou cordialmente para o senhor que filosofara sobre o ápice da relação e pediu à garçonete:

- Cancele a parte dela. Mas estou cheio de fome, capriche na minha! – E sorriu para ela, que retribuiu o gesto, exibindo a cintilação de seus pequenos olhos. Ele percebeu o quanto poderia ser cativado por isso.

O jovem e o divorciado pediram outra rodada e questionaram a bartender sobre o que ela pensava do amor. Na mesma noite, chorou nos ombros de seu namorado e pediu demissão.

Um comentário:

  1. Nossa Raul, muito, mas muito bom...Linguagem densa, mas cheia de estilo,narrativa profundamente realista...Gostei!!! Voltarei a ler este texto algumas vezes...

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