sábado, 17 de setembro de 2011

Crônica de uma madrugada - Parte IV

- Cai fora, vou fechar – diz Magrão, recolhendo a garrafa sobre a mesa e limpando-a com o pano que habita seu ombro.

- Para onde ela foi? – perguntou Rodolfo, vestindo sua jaqueta.

- O que faz você pensar que eu sei e que eu diria? – respondeu o dono, virando e dirigindo-se à porta de aço já quase toda baixada. Não era mais violento, mas tampouco era cordial. Retificou o convite para o rapaz ir embora, que atendeu ao pedido, ainda que de mau grado.

Com a porta fechando às suas costas, Rodolfo roça os olhos para retirar a sujeira e mira os dois lados: à sua direita, a subida de uma rua que morre todas as noites de cima para baixo. Não iria para lugar algum seguindo essa direção, a não ser sua casa; à sua esquerda, a descida para o paraíso carnal de um fim de madrugada: boates, motéis, bares que aproveitam-se para derrubar os últimos (e insatisfeitos) sobreviventes de “lá de cima”. Há ainda prostitutas em pé no meio-fio, já desgastadas, esperando por frustrados clientes que poderiam descontar seus descontentamentos em pagamentos maiores; por outro lado, há as encostadas à parede, aguardando os clientes que vêm a pé, esperando que tenham menos energia e terminem o serviço logo. Próximo às esquinas, em ruas transversais, a xepa da prostituição: as que não trabalham para nenhum cafetão, são discretas e tem olhar atento para não serem pegas por capangas ou policiais. Na aurora, cobram verdadeiras mixarias por uma transa rápida.

Rodolfo olha para a direita, refletindo sobre a possibilidade de Letícia ter tomado a direita, em direção a um lugar que não seria nada além de sua casa, ou se descera, à procura de novos parceiros de mesa. Sua decisão seria tomada a partir disso. A escolha foi óbvia: a única chance de vê-la ainda naquele fim de noite seria descer e passar por aquela multidão de decadentes nos quais ele se reconhecia. Cada bêbado largado na calçada, dormindo no meio-fio, vomitando nos bueiros ou andando aos tropeços era uma de suas faces em tempos recentes. Nesse momento, só uma tontura, sucumbida pela determinação do rapaz em encontrar aquela velha recém-conhecida moça apaixonante do bar. Murmura para si mesmo quando a conheceu, na tentativa de obter um insight memorativo, e insultava-se por, no fim, não lembrar. Pergunta-se se as dores de cabeça eram sinal de que fora atingido na cabeça um dia e, com isso, perdido a memória. Ocasionalmente, canhões de imagens explodiam em sua mente e ele via-se com Letícia numa praia (que corpo espetacular ela tinha!), escondida em seus cachos em frente a uma lareira abraçada ao rapaz.

Mas todas estas imagens eram não mais que distantes. Não via a imagem de sua nuca, de suas costas nuas, das mãos entrelaçadas às suas, de coxas que eram beijadas, de um dedo que se prendera em meio aos cachos, de um beijo de bom dia de um rosto sem maquiagem; “então, pare de inventar que você já esteve com ela um dia”, pensou, enquanto atravessou a rua aos buzinaços do carro que cantou pneus para impedir o atropelamento. Desculpou-se com o motorista e, ao botar o pé na outra via, ouviu mais um cantar de pneus que não foi suficiente e o arremessou a alguns metros dali. Deitado, com a cabeça voltada para a rua que ainda descia, avistou as costas de uma mulher de cabelos negros encaracolados, calça e jaqueta jeans que deixava escapar uma pequena parte de uma camiseta branca. Ela entra num táxi; ele fecha seus olhos.

(Continua)

Um comentário:

  1. Ah meu, chega logo nesse final!!! Quero saber o q virá por aí

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