Seria uma noite chuvosa
de sábado qualquer, se não fosse a de Natal e eu não estivesse tão triste. Não
porque estava sozinho - mesmo porque as lembranças da comemoração em família não são boas -, e sim porque eu não sentia nada, não tinha motivos sequer para reagir à
data.
Há sete anos, quando
saí de um apartamento próximo ao centro da megalópole chamada São Paulo para a
tranquilidade de uma casa no campo, jamais imaginei que um dia me sentiria tão
solitário e perdido no mundo. Já não lembro a última vez em que comemorei a
data com alguém, com uma família. Mas pelo menos eu ouvia os urros de
felicidade vindo dos andares de cima e de baixo; isso já me era suficiente pelo
menos para odiar e criticar o Natal. Por vezes eu sentia inveja também, embora
me fatigasse rapidamente nesse tipo de encontro familiar. Isso me atacava de
tal forma o subconsciente que, assim como o era em minha família, achava que
todas as pessoas do mundo, no fundo, se odiavam e o Natal era uma trégua
ignóbil. Tudo se transformava numa imensa falsidade, enquanto eu tentava manter
minha integridade com meu claro desconforto.
E agora eu só olhava
para o pisca-pisca em minha janela, e a chuva lá fora. Era bonito ver as gotas
d’água adquirindo cores enquanto escorriam pelo vidro, enquanto eu, aos poucos,
começava a perder minha indiferença em relação à data: a melancolia me atingia
em cheio. Me faltava ter alguém para abraçar sinceramente e outras com toda a
falsidade que o ser humano já fora capaz de desenvolver ao longo dos tempos; me
faltava ofender em pensamento vizinhos que sentiam tamanha felicidade por algo que eu considerava desprovido de
qualquer sentido; me faltava invejar o brilho no olhar de uma criança que
ganhava um presente e relembrar dos tempos em que eu fora uma criança que não entendia
e se entristecia porque todos se abraçavam em determinada hora e se ofendiam
poucos minutos depois. Me faltava sentir!
Recentemente meu
cachorro faleceu, e eu não tinha mais sua cabeça e seu crânio, rígido como
pedra, para dar tapinhas enquanto conversava em voz alta comigo mesmo. Ele só
sabia bocejar e lamber a palma de minha mão; não aprendera a falar, embora eu
acreditasse que isso era só um charme temporário. Neste dia, só uma caneca de
chá quente e uma tigela de doce de abóbora. Já estava farto de comida, pois
cozinhei como se Sammy ainda estivesse vivo e eu pudesse dá-lo as sobras. Era
somente eu e minha pança olhando para a tempestade atrás das luzes coloridas. O
som da chuva e a viagem psicodélica das luzes me fariam dormir antes da meia-noite,
isso era uma coisa boa.
Mas uma forte luz
branca surgiu no meio do círculo de cores, e se apagou. Dirigi-me à janela e vi
uma mulher correr até minha porta. Abri a janela que está numa distância segura
da porta e perguntei o que ela queria, no que fui prontamente respondido, com
uma voz vacilante, porém doce:
- Esse temporal fez
transbordar o rio lá embaixo, a ponte irá ser destruída logo com a força da
água e eu estou sem sinal de telefone e com pouquíssima gasolina. Me desculpe,
o sítio do senhor foi o primeiro que encontrei, mas entendo que queira passar a
virada com sua família sem ser perturbado.
Pensei em mandá-la
embora para não desestabilizar os planos solitários do meu natal; contudo,
deixei o egoísmo da solidão de lado e convidei-a para entrar. Obviamente, ao
notar que eu estava sozinho, ela se sentiu absolutamente desconfortável. Para
garantia dela, não tranquei a porta e ofereci uma xícara do mesmo chá que
estava tomando, e tomei o cuidado de dar o primeiro gole antes de entregar para
ela a xícara. Ofereci-lhe um banho quente enquanto me prontifiquei a tirar o
carro dela da lama, antes que afundasse por completo. Ela tinha um filhotinho
de labrador, que dormia na cestinha no banco do passageiro. Era exatamente da
mesma cor do velho Sammy, embora esse filhote não tivesse o rabo quebrado na
ponta. “Há tempo para marcas da vida”, pensei. Levei-o para dentro e ofereci um
pedaço do peru que assei, bem como ofereci jantar para a mulher, que aceitou
com um belo e singelo sorriso, o qual retribuí, finalmente, com sinceridade.
Uma vez que a
refeição estava aquecida, levei-a à mesa e servi. Enquanto ela e o filhote
comiam, um raio atingiu a região e cortou a eletricidade. Fui atrás de velas e
de uma bateria reserva, que utilizava para ligar certos aparelhos em casos de
emergência ou onde não houvesse tomada para plugá-los. E a escolha me pareceu
óbvia: o pisca-pisca na janela. Assim, ao som dos pingos de chuva, à luz de
velas e tomado pelas cores das pequenas lâmpadas, ela jantou. Outro raio a
iluminou por completo.
- Mas que azar, não é? -, ela me questionou, sobre a tempestade, com a mesma doçura de voz de outrora.
Pois eu a considerei
uma fortuita sorte.
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Nota do autor: Desejo a todos, comemorem ou não, um ótimo natal! E ótimos dias "quaisquer" também...
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